Artigos

O DIREITO-DE-AÇÃO NA PROCESSUALIDADE DEMOCRÁTICA: Um estudo acerca das condições da ação no direito brasileiro PARTE 2


4 A AÇÃO NA PROCESSUALIDADE DEMOCRÁTICA
 
A opção pela adoção do Estado Democrático de Direito no Brasil, fez com que o trinômio estudado no direito processual (processo, jurisdição e ação) fosse revisado à luz do referido modelo estatal. (TEIXEIRA, 2006).
Desta feita, é com esse prisma e a partir das críticas realizadas à teoria eclética da Ação que se faz necessária a revitalização da temática da ação no Estado Democrático de Direito.
Primeiramente, com apoio na lição de Rosemiro Pereira Leal (2011), é importante destrinchar as acepções da palavra ação, a fim de que seu significado se torne mais claro.
Segundo a lição do autor,
[...] ação será sempre o mesmo que procedimento e o direito de ação será instituto de direito constitucionalizado que enseja o exercício do direito de movimentar a jurisdição, seja de modo juridicamente adequado ou não, não se misturando ao direito de agir que, para nós e perante várias legislações processuais, inclusive a brasileira, significa o direito de estar no procedimento apurável após a instauração do procedimento pela existência e observância de pressupostos e condições que a lei estabelecer para a formação técnico-jurídica do procedimento, o que a lei brasileira denomina impropriamente formação do processo (Livro I, Título VI, do CPC em vigor). (Destaques originais). (LEAL, 2011, p. 115).
Com base nas lições de Leal, Charley Teixeira Chaves (2014) explica que a facultas agendi é o direito de movimentar a Jurisdição, o que corresponderá ao direito-de-ação. Por sua vez, o chamado jus agendi é o direito de agir, consubstanciado no direito ao procedimento.
Destarte, o primeiro instituto é o direito incondicionado de se movimentar a jurisdição, sendo este “direito fundamental de petição incondicional que se exaure no momento da instauração da ‘ação’.”. (CHAVES, 2014, p. 117).
Assim, o direito-de-ação não pode ser entendido a partir de normas infraconstitucionais, mas sim, como um instituto constitucionalizado. (CHAVES, 2014).
Rosemiro Pereira Leal explicita tal entendimento ao dizer que o direito-de-ação é “o direito de movimentar a jurisdição e, o direito pátrio, é direito-garantia constitucional (art. 5º, XXXV, CR/88), porque, ao seu exercício, não se impõe qualquer condição ou qualidade para agir, em juízo.”. (LEAL, 2005, p. 43).
Por sua vez, a ação, simplesmente dita, é “o procedimento, cuja formação e desenvolvimento válido e regular dependerão de cumprimento de requisitos condicionantes endoprocessuais e não o direito-de-ação que tem fonte constitucional incondicionada”. (LEAL, 2005, p. 43).
Tais condicionantes serão apenas apurados após a concretização do direito-de-ação. (CHAVES, 2014).
Veja, então, que não se pode dizer que alguém carece de ação pelo fato de faltar-lhe requisitos de procedimentalidade, como tampouco há que se falar em inexistência do direito-de-ação por falta das condições da ação, tendo em vista que ele irá se instaurar pelo instrumento da petição inicial. (CHAVES, 2014).
Apesar de a ação ser instaurada pelo instrumento da petição inicial, vale dizer, conforme Vicente de Paula Maciel Júnior (2006), que o direito de ação é extensivo a todos os atos procedimentais, não apenas ao ato inicial.
Como já exposto no presente trabalho, a Constituição da República, em seu artigo 5º, XXXV, proporciona o amplo acesso à jurisdição, sem a imposição de qualquer condicionante, desde que haja lesão ou ameaça a direito. (TEIXEIRA, 2006).
Desta feita, qualquer imposição de condições irá ofender o chamado Princípio da Inafastabilidade do acesso à Jurisdição. (TEIXEIRA, 2006), que dispõe que o Poder Judiciário não deixará de apreciar ameaça ou lesão a direito.
Portanto, segundo Renato Patrício Teixeira,
Ao Estado restam duas providências: assegurar o efetivo acesso à justiça e a possibilidade das partes, em contraditório, concorrerem para a construção do provimento, bem assim manter-se estruturado para atender aos reclamos daqueles nele buscam as soluções para os seus litígios. (TEIXEIRA, 2006, p.278).
Conclui-se, então, que não há nenhuma condição admissível ao exercício da ação no sentido da teoria neoinstitucionalista, sob o contexto do Estado Democrático de Direito, (TEIXEIRA, 2006) bem como a “ação deve ser livre, absolutamente livre a toda parte que se sentir de alguma forma ameaçada ou lesada em um direito que acredite ter.”. (MACIEL JÚNIOR, 2009, p. 301).
Por fim, Renato Patrício Teixeira (2006), apoiado nas lições de Maciel Júnior, alerta que a imposição de condições da ação possui relação com o receio dos juristas de que o exercício incondicionado poderia gerar abusos, fazendo com que uma parte estivesse em juízo sem fundamentação.
Com efeito, para o exercício de uma faculdade, deverá existir em contrapartida, uma responsabilidade. Desta feita, se a ação for instaurada com argumentos, alegações e fatos falsos ou descabíveis, com evidente má-fé do postulante, deverá haver uma responsabilização da parte, com a finalidade de ressarcir os prejuízos que foram causados pela ação ajuizada. (MACIEL JÚNIOR, 2009).
Diante do exposto, a ação na processualidade democrática deverá assegurar o livre acesso à jurisdição, sem a imposição de condicionantes, porém, com a devida responsabilização decorrente do uso abusivo e excessivo do direito de ação. (MACIEL JÚNIOR, 2009).
 
5 CONCLUSÃO
 
Objetivou-se no presente trabalho estudar a evolução das teorias da ação, demonstrando quais foram as suas principais proposições quanto à temática. Buscou-se, então, demonstrar a incompatibilidade de tais teorias no Estado Democrático de Direito.
A teoria eclética da ação, preconizada por Liebman, foi o foco do presente trabalho, uma vez que é a teoria adotada pela doutrina e pela legislação brasileira. O referido processualista buscou colocar fim ao embate das teorias abstrativistas com as concretistas do direito de ação.
Para tanto, acabou por criar as chamadas condições da ação, quais sejam, a legitimação para agir, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, que atuariam como filtros, a fim de impedir o exercício da jurisdição. Assim, somente se preenchidos tais requisitos, haveria a ocorrência da ação e consequentemente o julgamento do mérito.
Mérito, segundo tal autor, seria a lide nos limites do pedido. Além disso, é o juiz, de modo solipsista, que irá delimitar quais serão as matérias de mérito a serem analisadas no processo.
Buscou-se, então, criticar tais conceitos, tendo como base a Constituição da República e a teoria neoinstitucionalista do processo, que prevê a observância dos princípios institutivos do processo e o acesso livre e incondicionado à jurisdição.
A partir de tal teoria democrática, reconstruiu-se o conceito de mérito, que não mais poderá ser delimitado pela solitária onipotência do julgador, mas, sim pelas partes, em contraditório, devendo todos os envolvidos participarem na construção do provimento jurisdicional.
Em seguida, examinaram-se as condições da ação como matéria meritória, defendendo a inconsistência de tais requisitos ante ao artigo 5º, XXXV, da Constituição da República de 1988.
Criticou-se, a sentença de carência de ação, pois esta, da maneira que foi concebida, nega a ocorrência de qualquer atividade jurisdicional.
Por fim, abordou-se a ação na perspectiva da teoria neoinstitucionalista do processo a partir do Estado Democrático de Direito, sendo o direito-de-ação instituto constitucional incondicionado de movimentar-se a Jurisdição. O direito de agir, por sua vez, é o direito de estar no procedimento, enquanto que, ação, simplesmente, significa procedimento.
Entendemos, portanto, que o direito-de-ação preconiza o livre acesso à jurisdição àqueles que se sentirem com direito lesado ou ameaçado, com a impossibilidade da lei impor condições ao exercício de tal direito, devendo ocorrer a responsabilização daqueles que abusarem do uso de tal direito.
 
ABSTRACT
 
This work conducted a study about the theories of action, throughout history, by examining their incompatibilities in the Democratic State of Law. The focus of this work was to analyze the ecletic theory of action, adopted on the Brazilian Code of Civil Procedure, and demonstrate the impossibility of the existance of the conditions of action proposed by this theory, against the democratic process model provided by the neoinstitucionalist theory of the process. Accordingly, we sought to criticize, in general lines, Liebman’s proposal as a whole, since the reconstruction of the concept of merit, to be analyzed based on the constitucional principles of the process (contradictory, wide defense and isonomy) until the condictions of action. These were refuted on the basis provided by the Republic Constitution, in its article 5º, XXXV. Thus, we withstand that from the Constitution, it must ensure the free access to jurisdiction without the need of conditions on the exercise of such right.
Key-words: Right-of-action; Conditions of action; Merit; Ecletic theory of action; Democratic Process.
 
REFERÊNCIAS
 
BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Código de Processo Civil. 41ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao /constituicao.htm> Acesso em: 08 ago. 2014.
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e estado democrático de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
CÂMARA, Bernardo Ribeiro; SILVA, Bruno César Gonçalves da; MACHADO, Daniel Carneiro. Processo, ação e jurisdição em Liebman. In: LEAL, Rosemiro Pereira. (Coord.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2004. v.5.
CHAVES, Charley Teixeira. Curso: teoria geral do processo. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014.
COSTA, Fabrício Veiga. Mérito processual: a formação participada nas ações coletivas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
COUTURE, Eduardo J. Introdução ao estudo do processo civil. Tradução de Hiltomar Martins de Oliveira. – Belo Horizonte: Livraria Líder e Editora, 2008.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2002, t. I.
FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria da defesa no processo civil. In: LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização Inconstitucional da Coisa Julgada. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual I. 3ª Ed. Trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005.
MACIEL JÚNIOR, Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas: as ações coletivas como ações temáticas. São Paulo: LTr, 2006.
MACIEL JÚNIOR. Vicente de Paula. Estrutura e interpretação do direito processual civil brasileiro a partir da Constituição Federal de 1998. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
MADEIRA, Dhenis Cruz. Reflexões propedêuticas sobre o mérito no processo civil. In: CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. (Coords.). Direito processual: reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Instituto de Educação Continuada, 2010.
MADEIRA, Dhenis Cruz. O novo CPC e a leitura tardia de Liebman: a possibilidade jurídica como matéria de mérito. In: MEIRA, José Bonarges. MOTA, Lindomar Rocha. (Org.). Teoria do direito e conflitos jurídicos. Belo Horizonte: PUC Minas, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PELLEGRINI, Flaviane de Magalhães Barros. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de Elio Fazzalari. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, Belo Horizonte, a.2, n.1, agosto de 2003. Disponível em: <http//www.fmd.pucminas.br/Revista Eletrônica VIRTUAJUS> Acesso em: 15 ago. 2014.
PIMENTA, André Patrus Ayres; MARQUES, Cláudio Gonçalves; QUEIROZ, Flávia Gonçalves; VIEIRA, Lara Piau. Ação, Jurisdição e Processo em Chiovenda. In: LEAL, Rosemiro Pereira. (Coord.). Estudos Continuados de Teoria do Processo. 1ª Ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, v.5.
TEIXEIRA, Renato Patrício. Legitimação para agir no processo coletivo. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 1.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1.